o tempo é de pedra e corta — preciso
feito lâmina
e a pele fina treme
ao sopro do vento
por isso canta rios onde se espelha
águas serenas antes
dos pés
tocarem o fundo
em busca do rosto
que a cada passo se afasta
enquanto
o sangue tinge as águas de vermelho
sem ser tempo de amoras
recuso-me a nomear estrelas
não as conheço

— distantes

nomeio pedras
— irmãs
silêncios de pedra
soterram aqueles que silenciam

a mim, libertam
se a tua fome for feito a minha
de palavras e (in)quietudes
faz como eu
bebe os silêncios
em goles profundos
e o verso... rumina lentamente
a dor molda o poeta feito um oleiro
e o barro se contorce
entre silêncios, palavras e espantos
vaso de terra
que ao sopro mínimo de vento
canta — nervos expostos
flor da pele
garimpar palavras em minas alheias
não quero
passa um rio por aqui
recolho pedras
ainda em busca da desejada flor
do silêncio
— mas ela está morta!
grita o rio
enquanto se arrasta
enlouquecido
do ruído das pedras que carrega
mas, o que dizer
da solidez dos anjos de pedra
do limo dos olhos dos anjos
de pedra
da rispidez da face dos anjos
de pedra
do silêncio da pedra da pedra
da solidão dos anjos?
dentro de mim
moram silêncios de pedra

renegadas palavras

lavas
que não ousaram fluir
poderia ter sido salva pela beleza ou pela alegria
é tudo que salva
não foi possível — não lhe mostraram o caminho
e os olhos estavam cegos
do pó
do barro que era
por que me buscas onde faz sol
. . . . . . . . . . . . .é certo. me achas
no mundo das mil luas
onde
. . . . cem cavalos galopam
no campo ao lado
da minha torre em chamas
. . que a grande noite nos abrace
e nos abrigue. . . .até
. . . . . . . . . . . . . . .que amanheça
parte de mim despedaça
na medida exata dos meus temores

segue inteira minha metade pedra
ronda-me um poema — não escrito
inscrito
na mais antiga
das minhas utopias
ele tem rosto e nome que
desconheço — e não me busca
por que
me persegue se não
me deseja? talvez não
exista
e eu delire
talvez seja apenas
delírio. de outro poeta a me buscar
pássaro pequeno pousa no galho seco
e canta
sem se dar conta
do céu de pedra — prestes a desabar
sobre sua cabeça
que o sangue escoe
quente viscoso fosco. no humano fosso
. . . . . . . . . . . . . ..(indecifráveis cantos)
que fragmente a bomba e fira
olhos e bocas
e que se rasguem bandeiras — inúteis
tecidos fronteiras
tudo parece arder — então por que
poetas apenas ousam tocar
nos visgos dos corpos no fogo das suas
próprias peles
. . . . . . . . . . . . . . ..(devassa inocência)
e dormem — .imersos em seus silêncios
seguem as iguanas
na órbita dos olhos das florestas
e das savanas
sonhando
vitórias-régias rios
espelhos d’água:flores sagradas
serpenteiam sobre pedras
. . . . . . . . .e a pele verde
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . queima
cultivo tulipas em pleno abril — sei que não vingam
mas quem — vai me impedir de sonhar

com a improvável lágrima-flor
de Ferhad?

procurei no deserto a pérola — e quase pude vê-la
nos dromedários olhos das miragens

das tempestades de areia — vi surgir — o pássaro
que me contou segredos da terra

da invertida negra-flor — onde a pedra — é utopia
e a dor — fecunda
era manhã bem cedo e se julgava pássaro

quando caiu a tarde
se viu pedra

(e sua cota era apenas um dia)

vida de pedra
deveria ter vivido

não viveu
sonhando asas

pássaros — teriam pousado e feito ninho
caminho arranhando meus pés sobre as pedras
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .quentes
gosto do som das rodas que se arrastam sobre
concreto
. . . . . . . . . . . fatídicas vias
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . (de fato)
gosto de ouvir o som da vida – eterno arrastar
se sobre
. . . . . . . tudo
além da janela, um mundo. que desconheço
sei que existe pois
vejo a estrada — rasgo de concreto
áspero infecundo
que sob o sol transpira — como num deserto
- - - - - - - - - - - - - - - há certa beleza em tudo
no acostamento um outro
mundo
homens suados em seus aros metálicos
pedais que movem rodas
e tudo gira
bugios atônitos vindos da mata revolvida
tentam
cruzar a linha morte/vida que desconhecem
- - - - -o campo de rosas vermelhas parece delírio
cavalos de silêncio galopam planícies
então — tudo é vertigem e é tudo que sei
além da curva rude há céu — que eu vi
errático pássaro vindo de lá
olhos de água — rasos — asas em chamas sem
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- cantar
agora um pássaro sobrevoa a cidade. é noite
e as penas não devem ser azuis
vasto o campo de morangos e rosas
onde
caminhei num tempo               longe
           faminto busca os caracóis do dia
                                           simbiótica autofagia
bichos que se devoram
noites-dias
a vida sabe ser crua. mas se mantém
                       e os bichos
                                   saciados a (se) suportam
a voz do homem grita — pedra
a rocha ecoa — sal
no coral dos aflitos — estratos
minerais
silícios cristalinos
octaedros azuis
. . . . . .. . . . . lâmina / e corte
areias incontidas
por incontáveis mãos
. . . . . . . . spuma / e vento forte
o caminho da lágrima é
o que chamamos
. . . . . . . . . . . . .. . tempo
. . . . . . .cicatriz
água morna em face
de pedra
trilha rasa o riso:
. . . . . . .risca
. . . . . . . . . . . . . . .de giz
[ ... sob chuva espessa
um peixe negro e sem escamas, vindo do abismo do meio
(pois que no abismo profundo os seres transparecem)
de olhos brilhantes
e amarelos
num galope certeiro (marinho que é)
cavalo
atravessou seu dia
desde então, seus olhos simples
transitam
entre claros e escuros tons do mesmo incerto azul
e a água doce (cristalino lago) virou mar salgado
que inunda
sua face de areia e pedra, sob este céu vermelho antigo
reflexo
dos seus cinquenta e quatro sóis que rumam
em direção à Hidra
um barco navega pelas ruas de pedra
desta cidade náufraga
a cidade cresceu
além dos limites da infância
subiu montanhas
engoliu pastos e bois
secou
pequenos lagos
calou
corujas e sapos
apagou vaga-lumes
derrubou árvores
arrancou
roseiras e pomares
bulímica
a cidade vomita
saudade
do chão de terra que já não
se vê
a cidade destila restos de noite
suor. saliva. sangue. sêmen
e alguma lágrima
chorume
que corre nas esquinas
no meio-fio
e quando fizer sol, tudo evapora
(se fizer chuva
escorre)
vai se juntar ao lodo
no subsolo
da grande metrópole
submundo
do sub.mundo. e o dia segue
fantasia
baile de máscaras:ruídos:lanças
perfumes — pedras
nas verdades que canta, a força do poema
que pedra seja
pedra
e vento seja
... vento
que seja eterno enquanto
cascalho e ventania
que se sopre e que se pise — caminho
alento
brisa
dia
de olhos secos e chão
nenhum
diga de nós (busca e retrato)
do que sai pelos olhos — palavra
feito carne
solidez de vento
invisível pedra
que seja
a mais precária das verdades
- - - - - - - - - - - em que ainda acredito
a torre no alto da montanha parece ter vida
sentinela que a si mesmo se guarda
há algo de humano nos metais (incerto brilho)
a superfície térmica, feito pele
olhos de espelho a refletir o sol
(relâmpagos)
a imobilidade que aprisiona
o sonho de ter asas, quando o pássaro pousa
leve feito pluma
a ilusão do aconchego
quando um ninho se faz
entre as hastes frias
a precária condição de saber-se ao relento
nos temporais
a solidão que nos irmana
nas noites longas. homem, ave, peixe - terra
(e seus mil tons). pedra - vertigem de ser
efêmero. e o vento ...o vento
a vida acontece : sempre : longe
um avião no céu acima
da minha cabeça
- - - - - - - minha fome
preciso de um café
- - - minha sede que nunca passa
o sono que não chega
a vida que não basta
talvez
esse esperar seja
desesperar
seja : tudo que sim e não : nada
acontece : que a vida é : assim

em tudo um hiato
entre o sentir e o verso:- universos

[ segue o poeta
em busca da pedra que transmuta

descrente:- crê cegamente
. ... . . . na improvável grande obra
um pássaro
vindo do interior das minhas misérias
pousou na janela
vulnerável e frágil
ensaiou um canto
porém, foi traído pelo esquecimento
não sabe mais cantar
tenta voar em busca
do claustro de onde veio, mas
se perdeu
no labirinto da memória mais
distante
(apagada trilha)
não encontrou o caminho de volta
imóvel e mudo, me fita
penas encharcadas
das chuvas do caminho
(impossíveis sóis)
dos seus olhos de pedra
oscilam fachos : pequenos : de ternura
réstias de luz
na noite interminável
ah... se soubessem
de que lugar sombrio
brotam os versos
[... ainda fosse terra
— é casa
vazia
manhã
com pedregulhos
atirados no lago:
circula dor...]
as vozes se calaram
nem mesmo o nome
— o único
que distingo
me chama
fim do delírio
início do silêncio
real, palpável, ríspido
— cicatriz
na face quente
e sonolenta da tarde

depois do espanto que emudece
pedras e garças
num ritual
tão antigo quanto
espantos : garças : pedras
— um grito
vindo da alma das coisas
tão alto quanto
o céu que almejam
profundo
quanto
. - - -o poço em que mergulham
faço versos porque já morri (tanto e tantas vezes)
mas não encontro o caminho de casa
onde era mesmo que eu morava?
no acaso me lanço
no espaço em branco longe dos apegos
flutuo
há uma curva no rio – havia mesmo um rio?
tinha botas de sol – ainda tenho pés?
há um lugar onde as almas se encontram
os corpos são frascos de vidro (não eram vasos
de barro?)
que contêm a flor
há janelas que nunca se abriram
podia ouvir teu sopro – havia mesmo o vento?
ao menos uma carta eu poderia ter escrito
na próxima esquina quem sabe
no próximo verso


hoje nada me move
sou pedra
tenho os olhos fixos no nada
que cresce em sua face
feito musgo
gritam as pedras: sufocadas
pelo betume espesso
escuro e reluzente

foram queimadas

piche:- mistura complexa
sobre a matéria pura
pecado

arrancaram a pele da cidade
há no fundo de todo verso uma dor — latente
ou detonada
exposta
ou. travestida de tintas outras
muito bem ancorada
num ângulo
que se requer exato
protendida linguagem que se traciona
no limite do som — e do sentido
volumetrias
imensos vãos (escoras : nenhuma)
risco iminente de ruptura. ou. solidez de pedra

Mãe, devolve-me as lágrimas
desfaz o desencanto
que me fez
de pedra
quero de volta
inteira — minha humanidade
e o homem se curva - parece ser sina
trocar o fardo milenar das culpas
pelo pós-moderno fardo do vazio
(há que se ter um peso a ser carregado)
a leveza parece não ser humana
visto que
não se sustenta. enquanto barro: pesa
há em tudo um estado de florescer
até que o outono desfaça
- - - - - - línguas fumaça olhos de amêndoas doces
em tudo que nãocanto
certo
assombro
e as seriemas insistem em seus berros
de barro sobre
telhados
- - - - - - tudo podia ser não foi porque não sei
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -quem sabe?
a lua faz a noite padecer de claridades nuas
quintais cinzentos onde moram cães
sou feliz - colho goiabas gigantes
no muro regado à musgo e trilha
de caracóis
- - - - - - bichos de fogo incandescentes caminham
- - - - - - sobre
- - - - - - meus olhos
o mundo podia se chamar hospício lunar
cemitério de naves espaciais
onde só eu
não embarquei
- - - - - -objetos metálicos eternamente em chamas
nesse planeta supostamente azul
aquário
onde o destino de tudo parece ser vermelho
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -arder

meus versos navegam mares que não navegarei
mergulham
Tejos que não pisei
vislumbram / torres / caravelas
Beléns
— é fado
outros caminham por entre flores
Toscanas/ Pietras / Santas
(as pedras no caminho original)
castelos de areia
procissão noturna – fogaréu
moinhos de trigo e vento
e os meninos correm
vejo tudo tão claro — com meus olhos atávicos
véus que encobrem rostos
corpos vestidos
os ossos do cão no colo
da moça
a placa sinaliza – retorno
caramujos sobre
concreto
(o menestrel vigia)
o menino quase rei
balões coloridos
sobrevoam fios
borboletas nos olhos
o homem velho
é vulto refletido na noite
os lábios rosas
ferrugem
no arame farpado
a pedra cinza
a casa de pau
a pique
(o coração nas mãos)
um anjo se ajoelha
as flautas de silêncio
último dos sonhos
Veneza
o rio - corre lento e azul
eu
à margem:apenas observo
vejo-te futuro
nariz colado na vidraça. ofega
embaça
a qualquer custo queres entrar
fecho cortinas
são finas
tempo.cavalo.branco – te vejo
tens asas
desejos. nos olhos
fecho janelas. ainda
te ouço. bater de cascos sobre
pedras. faíscas
refletem. na noite
(não sei por quanto tempo
as paredes resistem)
já posso ver as trincas. e a casa
treme. num último
e assombroso relinche
antes do amanhecer. e o cavalo
dorme

quando a noite me olha, na sua hora mais escura
e o silêncio me encara
com seu olhar de pedra
e murro
----------------paraliso
pela vidraça
negra chuva de ferpas e granizo
estilhaços de vidro
e vento
tentam furar meus olhos
----------------aquários vazios
onde o último peixe
morreu de medo e sede
do imaginário gato - olhos de fogo e faca - fera
que jamais existiu
arrancar pedras com as mãos
ofício
que aprendeu com os seus
ainda menina
(algumas são roladas
do velho raso rio)
depois catalogar
retinas e epidermes são
caixas-papirus
onde as inscreve
com a habitual imprecisão
de quem cultiva arestas
e pontas
ranhuras no quintal - e espera
surgir a bruta flor
cheguei a pouco do fundo do rio
(andei em busca
do que em terra não encontro)
tenho agora
a pele coberta de escamas
e lodo
e os olhos verdes
do limo / dos olhos / dos peixes
vieram pássaros / tentaram
me levar
(a imagem da superfície
era apenas reflexo)
silencioso e calmo / segue / o rio
no fundo
todas as pedras são roladas
e os olhos / dos peixes / refletem
pedras e sombras
de árvores que não toquei
o vento / a folha / o vento
e a garça
finalmente mergulha e me resgata
desidrata o poema em minha boca
chega em tons de verde vivo — que logo se
desmancha
há um sol dentro de mim
que teima
em nunca se pôr
um vento que não cessa e sopra
a palavra seca
que cola no papel feito casca de ferida
(ou de árvore antiga
minhas flores são cactos
solo arenoso pontuado de pedras.
tudo mais são delírios : imagens no espelho
fantasia
em mim, tudo é precário
instável

passageiro

beira de abismo
penhasco

desfiladeiro

e o vento forte
que não desiste

queda
— e pedra

por onde corre um rio
que dizem

vai secar

o poeta mergulha
no inferno do seu mundo real
e silencia
quando voltar
ao paraíso inventado
(em cápsulas)
o poema retorna
com suas verdades
sempre tão relativas
(precárias)
a durar o tempo do espanto
dos olhos
tons inefáveis
quando à tarde
olhos que há muito haviam se perdido
e se fechado em conchas de não mais querer
puderam
ler um poema sem palavras
vindo das pedras
esta cidade não é minha. não me pertence
a dureza angular das esquinas
nem a parábola das pedras que piso
as luzes
enquadradas no concreto perfeito
não
nem o chorume que escorre
de olhos e gretas
negras sarjetas
nem
antigo e lento carregar de casas sobre
as costas
pesado fardo
animal
este arrastar-se sobre trilhas de caramujos
em busca
da cidade improvável:- faro ancestral
o rumo — e a que se destinam — apenas
pressentem.
raio de sol qualquer faz despertar a flor
travestida de pedra
Nydia Bonetti
Primavera/2012